sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Día de La Hispanidad e das Crianças

Próximo 12 de outubro também é feriado por aqui. É feriado nacional. Digo "também" porque, pra quem não sabe, no Brasil é dia das crianças e de Nsa. Sra. Aparecida (na verdade, não sei qual dos "dois" é o responsável pelo feriado brasileiro). Bom, pelas bandas de cá, é o Día de La Hispanidad, dia em que se homenagea os povos hispânicos, a descoberta da América e a grande comunidade hispânica espalhada pelo mundo.  Outros países da América, de língua e colonização espanhola comemoram também, porém, nem sempre na mesma data.

Madri me lembra bastante São Paulo nos feriados, meio vazia, quase todos viajam. Enquanto faz ainda um bom tempo em pleno outono espanhol, a aposta ainda é ir para o litoral na esperança de aproveitar um resquício do recente e saudoso verão.

Ano passado, meu marido, filho e alguns amigos brasileiros que estavam de visita por Madrid justo nesta mesma época deram de cara com um trio elétrico em pleno Passeio do Prado com nada mais nada menos do que Daniella Mercury - não sei muito bem o que tem a ver Daniella com o Día de la Hispanidad, pero bueno... E meu filho que está mais estrangeiro do que nunca - o que me preocupa - gritava tapando os ouvidos: "- Carnaval, nãããããooooooooooooo!"  Tadinho, ainda não sabe o que é bom (falo sobre o carnaval, claro). O bom mesmo para ele é que tem dois dias das crianças pra comemorar, e já cobrou o seu presente. Vou pedir a Nsa. Sra Aparecida pra ver se ela dá uma forcinha.

Bom, que tenham todos um bom feriado!, seja rezando a Nsa. Sra Aparecida, seja comemorando com as crianças o seu dia, ou ouvindo o Rei de Espanha fazer seu pronunciamento nacional (deve haver, afinal). Euzinha me mando pra praia, que é e sempre será para mim o paraíso aqui na terra, com ou sem feriado, no mundo de cá ou de lá.

É o Rio, por Tony Bellotto

Rio!!!

sexta-feira, 2 de outubro de 2009,  14:29

"Minha sogra sempre fala do silêncio no Maracanã na final da Copa de 1950, depois que perdemos o jogo para o Uruguai. Mesmo quem não estava lá, ou quem ainda nem tinha nascido, conhece aquele silêncio. Faz parte de nosso DNA. É um tijolo importante na construção da nossa identidade cultural. Se o Brasil estava na época preparado ou não para realizar uma Copa eu não sei. Mas a poesia e a tristeza daquele silêncio permanecem como a inauguração de alguma coisa difusa, porém fundamental para nós, brasileiros.

Imagens do Rio povoam a mente de qualquer brasileiro. Seja num cartão postal, num calendário ou numa cena de novela. Algumas imagens eu não vou esquecer nunca: a noite em que os Titãs abriram o show dos Rolling Stones, eu em cima do palco, o coração saindo pela boca, vislumbrando aquele formigueiro sem fim, mais de um milhão de pessoas na praia de Copacabana. E o que mais me impressionou: o número de barcos ancorados na baía, uma verdadeira favela iluminada em que barracos se transformaram em barcos. E os Stones, intrigados: um milhão de pessoas e nenhum incidente grave, nenhuma rebelião, nenhum pisoteamento?

Para os cariocas nada demais, todos os revéillons na praia são assim, brother. Como é que um negócio desses pode dar certo? Numa das cidades mais violentas do mundo? Ninguém jamais saberá explicar. Ou entender. A insustentável leveza do ser carioca. A cidade em que o aeroporto leva o nome de um compositor de música popular. Aqui estão o bom-humor, a corrupção, a alegria, as balas perdidas e as licenças poéticas.

Das velhinhas de cabelo azul passeando por Copacabana aos gringos em safári pela favela, dos flanelinhas banguelas guardando carros na Barra às madames botocadas saindo do Gero, dos sambistas sorridentes da velha guarda aos clubbers doidões, virados de ecstasy, dos fotógrafos de celebridades aos bebês chorões, brincando na areia, dos pitboys lutadores de jiu-jitsu aos casais gays abraçados na Farme de Amoedo, ninguém se preocupará em entender. Ou explicar.

Continuam as imagens na minha cabeça: a ECO 92, Jello Biafra passeando despercebido pelos stands ecológicos. Não é o cara do Dead Kennedys? Rubem Fonseca caminhando pelo Leblon, finjo que não vejo pra não encher o saco do Mestre. Não é a Juliana Paes? Onde? Ali! Os arrastões na praia, o abraço na Lagoa.

Meu filho de catorze anos foi assaltado pela primeira vez na semana passada. Não liga, João, é assim mesmo. Ser assaltado, nessa cidade, é como participar de um rito de passagem. Como uma primeira comunhão, ou um bar mitzvah. Como sair numa escola de samba, ou comer biscoito de polvilho Globo na praia de Ipanema num domingo de sol. Ou assistir a um Fla Flu no Maracanã. Ver uma peça de Nelson Rodrigues, adentrar um prédio projetado por Oscar Niemeyer.

A cidade vai penetrando a gente, mineiros, paulistas, franceses, marcianos, e não desgruda mais. Rock in Rio em Lisboa. Na boa. O Brasil como ele é. Ronald Biggs, lembram dele? O mais carioca dos ingleses, a prova viva de que aqui até o crime compensa. Ex-terroristas, generais de pijama, maconheiros e padres surfistas, crianças cheirando cola, empresários contando grana, ninguém jamais poderá explicar. Ou entender.

Meca de todos os grandes golpistas no cinema e na vida real, ex-capital da colônia, ex-capital do Império Lusitano durante as guerras napoleônicas, ex-capital do Império do Brasil, ex-capital da República, perene cidade maravilhosa, terra da beleza e do caos, o paraíso depois que Adão e Eva foram expulsos, mas ainda sob as bênçãos sólidas de um barbudo concreto com braços permanentemente abertos. As contradições desabando sobre nossas cabeças como pedras numa avalanche. Eu explico: as cidades, como as mulheres, não precisam ser entendidas, precisam ser amadas. O barulho que escuto agora vindo da rua – buzinas, gritos, rojões – contrasta com o silêncio do Maracanã em 1950. Mas confirma que vivemos novamente a inauguração de alguma coisa difusa, porém fundamental para nós, brasileiros. A mim, resta conjugar na primeira pessoa do singular do presente do indicativo o verbo que expressa a alegria: Rio!!!"


Por Tony Bellotto