terça-feira, 18 de outubro de 2011

Eles, os amigos

Desde que nos mudamos para Madrid, estabelecemos que toda sexta-feira à noite, pelo menos na sexta, sairíamos para um bar, restaurante, teatro, cinema, enfim... O que não excluiria a possibilidade de sairmos outro dia da semana. No entanto, a sexta-feira é sagrada. Uma noite na semana sem filhos.

Quem já morou na Europa sabe que isso é um luxo, não é fácil organizar uma canguro para ficar com os filhos, o que em geral também é caro. Por isso mesmo, existe uma rede de solidariedade entre os amigos que tem filhos, cujos pais se revezam cuidando dos filhos uns dos outros, ou contam com a família. Ainda assim, é algo esporádico. Até nisso me considero uma pessoa de sorte, encontramos uma brasileira que possibilitava a mordomia.

De volta a América do Sul, voltamos a seguir a mesma rotina das sextas-feiras. Pois bem, na sexta-feira passada, quando já estávamos a caminho de algum bar em Dardo Rocha, um pouco entediados por uma semana difícil e chuvosa em Buenos Aires, estritamente voltada para o binômio trabalho-família, recebemos um convite para jantar na casa de uma vizinha, que também é mãe de um coleguinha da escola do meu filho maior. Foi difícil conter a "ansiedade". Explico-me. Não foi a primeira vez que fomos convidados para a casa de alguém aqui, mas nesses 3 meses realmente não foram muitos os convites - nem poderiam ser. De todas formas, esse foi o primeiro convite realmente CONQUISTADO, vindo de gente que conhecemos depois que chegamos, sem nenhuma "obrigação" social para conosco.


Fomos entusiasmados para o encontro e passamos agradáveis momentos. Espero que seja o início de uma amizade duradoura. Percebo mais claramente que criar relações de amizade, realmente afetivas, de maneira que possamos compartilhar experiências e sentimentos, é um aspecto-chave para qualquer adaptação.  Independente de como seja o país em que se vai viver como expatriado, independente da sua casa, da infra-estrutura local, o mais importante é conectar-se com sua gente. Foi devido a Eles, os amigos, que nossa experiencia em Madri foi tão prazerosa, e parece que serão mais uma vez Eles, os amigos (que ainda não conquistamos), que também nos salvarão no Mundo de cá.

domingo, 9 de outubro de 2011

A adaptação a um novo país



Quando se fala sobre a adaptação a um novo país, sobretudo quando se muda com a família, muitos são os fatores que pesam. Construir novas relações, criar novos hábitos, entender os códigos de conduta locais, adaptar-se a um novo estilo de vida e cultura, aprender a deslocar-se, enfim, tudo isso é importante para voltar a sentir-se emocionalmente cômodo no novo ambiente. No entanto, é indispensável que o lado prático da experiência também esteja resolvido para se ter uma rotina relativamente normal: documentos de permanência no país, plano de saúde, carro, telefone em casa, celular, conta em banco, reaprender a fazer supermercado, etc.

Antes de se viver uma experiência desse tipo, temos a impressão de que basta ter os meios financeiros para resolver essas coisas e pronto. No entanto, não é verdade. Não foi assim em Madri e não está sendo por aqui. Em Buenos Aires, estamos vivendo o seguinte... por partes:

- Carro - Devido ao limite de importações imposto pelo governo Kirchner só podemos comprar o carro que estiver disponível no momento no mercado. Ainda assim, um mínimo de um mês é necessário. Em raras ocasiões pode-se conseguir antes. Resultado, estamos a pé até que chegue o carro comprado (menos meu marido que tem um carro da empresa). Quando se está com a família, tendo que levar filho em escola, fazer supermercado e tudo o mais, é um transtorno. Alugamos um carro por um período, mas agora temos que ir nos virando com táxi ou remis (serviço similar), pois percebemos que é mais barato. Não podemos depender de transporte público, que é ruim como no Brasil, diferentemente do da Espanha, que é de excelente qualidade.

- Celular - tem que ser pré-pago até que eu tenha o DNI (RG) da Argentina (também é necessário o DNI para se abrir conta em banco). Quando mais preciso, termina o crédito - um estresse!

- Telefone em casa - há mais de um mês que pedimos e por algum motivo desconhecido ainda nao foi instalado. A Telefônica é ruim em qualquer lugar, também era horrível em Madri. Quando se tem filho pequeno, um telefone em casa é importante.

- Plano de saúde - temos um seguro internacional que funciona bem mediante reembolso. Ainda estamos decidindo, mas o mais provável é que a gente faça um plano de saúde por aqui que é o comum na classe média. Em Madri, utilizávamos o sistema público de saúde, que é excelente.

- Documentos de permanência - Tentamos por aqui para mim e meus dois filhos e conseguimos marcar a entrevista para fevereiro do próximo ano. O meu marido, que veio a trabalho, retirou o dele em um mês. Também é verdade que ñ priorizamos o tema. Em Madri também demorou. Enquanto isso, eu e os meninos estamos com visto de turista e temos que sair do país de 3 em 3 meses - boa desculpa para irmos ao Brasil agora em outubro.

Outras cositas:
- Deslocamento de carro - até se conhecer um pouco mais, só é possível com GPS. Mesmo assim, uma vizinha me comentou que só transitasse por locais mais movimentados porque é perigoso;

- Fazer compras no supermercado - as marcas são parecidas com as disponíveis no Brasil, no entanto, devido ao limite de importações predominam marcas locais. Também tenho que aprender os nomes dos cortes das carnes (por enquanto, tenho a sorte de estar com a minha sogra em casa, que se ocupa do tema). Sinceramente, atualmente creio que temos à disposição no Brasil produtos de melhor qualidade. Em Madrid, tudo é muito diferente, mas também é mais prático porque tudo é pensado imaginando-se que não se tem um empregado em casa à disposição.

- Assinatura de jornal - só se tiver um cartão de crédito local, que depende necessariamente de se ter uma conta corrente por aqui, que por sua vez depende de se ter o DNI argentino (RG). Em Madrid, é raríssimo que alguém assine jornal em casa (a explicação daria outro longo post).

Bom, a maioria dessas coisas ainda não solucionamos. Signfica dizer que até então vivemos alguns pequenos (e às vezes grandes) estresses diários. A recomendação é, mais uma vez, ter paciência e bom humor. Quando falta algum dos dois ou os dois, surge a tão famosa vontade de voltar.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

A caixa da paciência

Chegaram nossas malas (caixas) de Madrid. É que nossa mudança veio de navio e levou dois meses no trajeto até Buenos Aires. Felizmente, dessa vez demorou exatamente o tempo programado. Quando nos mudamos do Brasil pra Espanha, nossas coisas - móveis, utensilios de cozinha, álbuns, livros, brinquedos, enxoval de cama, mesa e banho - levaram 6 meses para chegar. Passamos um bom tempo com uma cama na sala, que fazíamos de sofá para assistirmos à televisao. Quando chegaram, já haviamos comprado o básico no baratíssimo IKEA e nem nos lembrávamos mais do que havia na bagagem.

Essa é minha segunda experiência de mudança de país e percebo que dessa segunda vez encarei com menos ansiedade a falta das minhas coisas. O tempo vai passando e a gente vai desapegando. Valorizo mais as fotos e pequenas lembranças que compro em cada lugar que vou. Elas me fazem lembrar de acontecimentos mais relevantes; onde estava, como me senti... fazem com que passe um pequeno filme na minha cabeça. Se tivessem dito que o navio tinha afundado com tudo, seguramente teria lamentado bastante, mas de pouca coisa eu sentiria realmente falta...

Ainda assim, é divertido remontar uma casa. Minha "diversão" atual é abrir caixas. E percebo que pouco a pouco vou redescobrindo meus objetos. Cada um conta um pouquinho da nossa história. Têm as caixas da saudade, com objetos de decoração do Brasil e de Madri; as caixass da chatice, com os utensílios de cozinha; as caixas do incompleto, com o material do meu doutorado; as caixas do "novo amor" com as coisinhas do meu segundo filho de apenas 3 meses; as caixas do antigo novo amor, com as coisas do meu primeiro filho de 9 anos; as caixas do primeiro amor, com as referências do namoro, noivado e casamento; as caixas da aventura, com panfletos, fotos e objetos de viagens; as caixas do esquecido, com as cifras de músicas para violão; as caixas da amizade, sobretudo com as lembranças do antigo trabalho; as caixas da desilusão, com projetos incompletos, recortes de jornal e  revistas e referências de sonhos não concretizados; as caixas do conhecimento, com os livros sobre os mais diversos temas; as caixas da diversão, com cds, dvds... Mas sem dúvida predominam as caixas da saudade e do supérfluo, com tantas coisas que acumulamos que realmente não necessitamos.

Bom, a reorganização e decoração do novo ambiente ajuda no processo de adaptação. Nossas coisas de certa forma têm a nossa cara e essa identidade faz com que a gente se sinta mais em casa. Bom, de todas formas é cansativo e ainda falta toda uma semana de organização... Agora mesmo estou procurando a caixa da paciência, ela precisa estar em algum lugar dessa casa.