sexta-feira, 30 de maio de 2008

O que há de bom na solidão





Na minha primeira semana aqui, Antônio me sugeriu algumas maneiras de me divertir sozinha, flanar, ler, tirar muitas fotos dos espaços públicos ou do que eu achasse interessante, conhecer a cidade e, quem sabe, descobrir "o que há de bom na solidão!". Para quem não sabe ainda, Antônio é um primo-irmão, responsável por alguns comentários neste blog, e, ao lado da minha irmã, Christianne, que foi quem realmente me sugeriu fazer o blog e me mostrou como, foi também um grande incentivador. Bueno, voltando, é verdade que estou em Madri com marido e filho..., é verdade também que a maior parte do dia estou sem eles, e, em algumas semanas, o marido viaja - como esta, por exemplo.

Bem, ao longo de uma semana quase que inteiramente só, mantendo uma conversação de mais de 10 minutos apenas com uma criança de 6 anos, acho que posso dizer que descobri o que há de bom na solidão: escrever!!!! E é maravilhoso ver algum comentário blogado, pois "já não me sinto só, tão só, tão só... com o universo ao meu redor...".
http://br.youtube.com/watch?v=1349abSk-YA

"Tarde, já de manhã cedinho
Quando a névoa toma conta da cidade
Quem pega no violão
Sou eu, sou eu
Pra cantar a novidade
Quantas lágrimas de orvalho na roseira
Todo mundo tem um canto de tristeza
Graças a Deus, um passarinho
Vem me acompanhar
Cantando bem baixinho
E eu já não me sinto só
Tão só, tão só
Com o universo ao meu redor"

Maravilhoso mesmo foi, há pouco, ouvindo-me blogar o endereço do youtube de "Universo ao meu redor", de Marisa Monte, meu filho se lembrar e cantarolar outra letra dela, que estávamos ouvindo no carro ainda hoje e que é uma das preferidas do meu marido, Demetrio:
"só nao se perca ao entrar,
no meu infinito particular" ...
mais apropriado impossível. Mesmo sem querer, Iago se transforma, então, no co-autor desse texto. Filhos, melhor tê-los!
http://br.youtube.com/watch?v=qWSEZUHlhNI

"Eis o melhor e o pior de mim
O meu termômetro o meu quilate
Vem, cara, me retrate
Não é impossível
Eu não sou difícil de ler
Faça sua parte
Eu sou daqui eu não sou de Marte
Vem, cara, me repara
Não vê, tá na cara, sou portabandeira
de mim
Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular

Em alguns instantes
Sou pequenina e também gigante
Vem, cara, se declara
O mundo é portátil
Pra quem não tem nada a esconder
Olha minha cara
É só mistério, não tem segredo
Vem cá, não tenha medo
A água é potável
Daqui você pode beber
Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular"

A estrangeira e as maquininhas

É impressionante como aqui tem maquininhas para tudo. Aquelas maquininhas eletrônicas, sabe?! Umas têm salgadinhos, outras têm refrigerante, água, café, chá; sem falar naquelas que vendem bilhetes de metrô, trem, essenciais para quem quer se deslocar por aqui; ah! ainda têm as máquinas para pagar os estacionamentos subterrâneos, que são públicos, porém, pagos em sua maioria através delas. É verdade que no Mundo de lá também temos uma população eletrônica grande, mas, em alguns casos, também temos gente de carne e osso que pode fazer o serviço, ou, pelo menos, ajudar, resolver algum problema. Enfim, por mais que tenhamos também as ditas maquininhas lá, não é de forma tão generalizada como aqui. Pois bem, para os pouco familiarizados com esses aparatos tecnológicos da modernidade, que é o meu caso, é um inferno. O mais constrangedor é a fila que se forma, em geral com figurinhas muito apressadas, que não lhe dão a oportunidade de conhecer mais profundamente aquele troço, e ficam olhando pra você pensando que você é tapada ou, a lo mejor... só podia ser estrangeira! Até você compreender como aquela geringonça funciona, é um nó, até porque cada uma tem personalidade própria e se comporta de um jeito. Claro que meu filho, de 6 anos, dá de 10 a zero em mim, mas não dá pra estar saindo com ele sempre, tem escola! E quando a tal maquineta esquece de te dar o troco? Ou, pior, rouba o teu último centavo sem te dar o produto?! É cruel! A quem reclamar?! Já imaginaram a cena? Uma estrangeira falando com uma máquina! E em português?! Sim, porque, na hora da raiva, não me ocorre nada do meu parco espanhol, además, está lá escrito que, além de español, ela pode falar inglês, alemão, polonês, chinês... tem que entender meu português!
Me ouçam! Sempre que possível, fujam das maquininhas, ou carreguem seu filho a tiracolo. É o meu conselho para andar em Madrid, a salvo.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

A linguagem

Numa revisteria perto de casa, um sábado à noite:
- Por favor, o El País de domingo?
- Como como?
- Repito
- Mas como? Hoje é sábado, não sabias?
- Sim, mas não tens também o jornal de domingo ?
- Claro que não!!!!! Sábado é sábado, domingo é domingo, só amanhã.
Quase que eu dizia: é que no Brasil a gente prevê o futuro, não sabia? Assim, a gente pode comprar um dia antes, etc, etc, mas faltou espirituosidade e sobretudo español para tanto.

No metrô:
Eu já estava muito bem acomodada, ouvindo tocar Garota de Ipanema, extasiada com a música, totalmente lisa - a essas alturas a última moeda já tinha ido parar no chapéu do excelente instrumentista - , sentadinha no meu lugar. De repente, uma senhora atrasada, chega apressadamente como quem, por pouco, não perdera o trem. Olhei para ela, imaginei-a cansada e de maior, como dizem aqui. Levantei-me e ofereci meu assento. Ela, que não entendeu as palavras, compreendeu o gesto, respondeu com cara amuada: - Não, não sou tão velha assim. – Voltei para o meu assento, e já estava amarela sem saber se aqui não é hábito oferecer assento a pessoas idosas, enfim. Depois disso, já presenciei outras cenas do tipo e foi absolutamente natural o aceite, essa senhora sem dúvida estava passando por alguma crise de meia idade, e a vítima foi a pobre da estrangeira.

Outro dia, na escola de Iago:
- Necesitamos de una cita despacio.
E eu, que já não era besta nem nada, fiquei na minha, mas estava tentando descobrir de que espaço ela estava falando. Assim, escrito, é fácil, no entanto, vai ouvir!!! Me ocorreu o espaço sideral, mas o "Mundo de cá" pode estar à frente do nosso de lá em algumas coisas, mas não ainda a esse ponto, reuniões espaciais para se falar sobre crianças?! Conversando com meu professor de espanhol, ele disse que era óbvio que eu tinha entendido errado e que possivelmente ela queria dizer despacio, ou seja, mais demoradamente, uma conversa com mais tempo. Fiquei mais tranqüila com a descoberta e principalmente por ter pago o mico reservadamente.

Ainda em outro momento, comprando churros:
- Tiene coca?
- No, no tengo cocaína!, pero tengo coca-cola, si quieres...
Desta vez, era óbvio que o distinto cavalheiro queria soltar apenas uma gracinha, mas estrangeiro que é estrangeiro é meio sensível, com esses deslizes vivenciados quase diariamente.

Eita, que "nóis" sofre. Pense! Estudei minha vida toda inglês para não passar por isso. Fazer o quê? Só... rindo!

domingo, 25 de maio de 2008

Futebol, paixão internacional

“Si tanto nos gusta el fútbol es por lo mucho que se parece a la vida o a la promesa de felicidad”.


Para um apaixonado por futebol, vir a Madrid e não ir ao Estádio Santiago Bernabéu é o mesmo que ir a Pernambuco e não ir à praia. Pois bem, não fui uma exceção. No meu primeiro mês aqui, estava lá, prostrada, inicialmente inerte, diante de um belíssimo e impressionante estádio de futebol. A começar, uma escada rolante para subir ou descer – tem uma parte abaixo do nível das ruas – os 45 metros de altura, tudo muito limpo, policiado e organizado, banheiro impecável, assento para todos que, de onde estiverem, têm uma excelente visão do gramado. Bebida alcoólica dentro do Estádio é absolutamente proibido (nem tudo é perfeito), embora isso naturalmente diminua bastante a violência num ambiente que conglomera mais de 87.000 pessoas, já tendo tido capacidade, no passado, para 125.000 espectadores – isto quando a lei não obrigava a ter assento para todos. Bem, de qualquer forma, os bares nos arredores do estádio animam a festa prévia. À hora, Real Madrid e Valência começam a jogar e eu, super orgulhosa pelas estrelas da terrinha de lá: Robinho, Júlio Batista, Marcelo... Aos poucos, os gols e as comemorações inflamadas. Ali, somos todos torcedores, espanhóis, brasileiros, colombianos, uruguaios, peruanos, equatorianos, argentinos, romenos, bolivianos, surafricanos, quase todos, Real Madrileños. 2x1 para o Valência, de virada, e eu lamentei meu pé frio de estréia em terras espanholas, mas assim mesmo valeu a pena. Poucas semanas depois, Real Madrid confirma a vitória do campeonato espanhol com 3 rodadas de antecedência. Gol!

Outro dia, li um artigo no El País que dizia, entre outras coisas: “¿El fútbol? Si tanto nos gusta el fútbol a los aficionados es por lo mucho que se parece a la vida o, mejor, a las promesas de felicidad que la vida podría sembrar sobre nuestra biografía y de una manera tan sencilla como la de pasar a una semifinal. Contemplar el partido ganado, presenciar la escena, hallarse sentado ante los 90 minutos o los 90 años, y disfrutar con los goles no sería otra cosa que saborear nuestro propio equipaje vivencial sometido, como las incidencias del encuentro, a las más azarosas y diversas circunstancias pero venciendo, al cabo, la dificultad. (…) Su equipo forma cuerpo con su aventura, los resultados puntean su felicidad o su tristeza, su decepción o su esperanza, y con una ventaja incomparable: cada temporada aparece como otra inauguración saneada, el viaje reiniciado desde cero para volver a probar.”

Como seria bom que todos, como no fútbol, tivéssemos uma segunda oportunidade. Muitos crêem que sim, eu duvido um pouco. Quase sempre, a oportunidade perdida é uma oportunidade perdida. Resta-nos, todavia, como nas partidas de futebol, a tão propagada esperança. Ah, esta sim, sobrevive. Mesmo depois.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

No mundo de cá tem Santiago






Muitos já ouviram falar do Caminho de Santiago de Compostela; ou leram a respeito, ou já o percorreram, ou sabem de um amigo que o percorreu, ou já o fizeram pessoalmente, ou, ao menos, visitaram a cidade. Pertencemos a esse último grupo. Fomos à cidade, e nos dedicamos principalmente a conhecer a catedral, do século XI, que se transformou com o passar dos anos no mais importante santuário da Europa depois da Basílica de São Pedro, em Roma. Pois bem, diria que Santiago nos convida a distintos olhares, dependendo do interesse e inclinação de cada um. Tem o olhar histórico, o olhar arquitetônico, o olhar aventureiro... Sem dúvida, o olhar religioso sobrepõe-se aos demais, afinal, a cidade leva o nome de São Tiago, apóstolo de Cristo, cujos restos mortais se encontram sepultados na catedral. Sim, mas não gostaria de falar da cidade propriamente, nem da catedral (são realmente belíssimas e valem muito a pena conhecer), mas de algo que me chamou particular atenção: os peregrinos. São uma visão à parte. Lamentei não ser eu mesma uma deles. Seus rostos bronzeados e fatigados, cajados na mão, roupas em geral suadas e amassadas, mas o mais impressionante: levam no olhar uma certa serenidade e um sorriso de vitória por uma descoberta incompreendida por nós, simples mortais, que ali estamos, bonitinhos e perfumados, caídos de pára-quedas na cidade. Eles são os únicos verdadeiramente não anônimos na multidão que se forma. Também chamam atenção pelo ritual cumprido de forma emocionada até a chegada ao altar para abraçar a imagem pétrea, sentada e serena de Santiago, na catedral. Conta-se que a origem do abraço à imagem do Apóstolo passou a ser adotada como coroação da vitória do peregrino, que, havendo cumprido com suas obrigações, penitência, meditação e desapego material, reconcilia-se com sua própria fé. Após o abraço, procede-se à visita ao sepulcro. Aqueles que fazem o caminho com o objetivo do reencontro espiritual, dizem perceber a transformação ao longo do trajeto, quando o cansaço, os laços de cumplicidade criados com outros peregrinos, a generosidade que se instala e a atmosfera mística passam a ser mais fortemente sentidas. Sin embargo, numa das minhas peregrinações pelo Mundo de cá, gostaria de vir a ser uma peregrina. O nome do meu filho origina-se do nome do santo e, por isto mesmo, ele acabou por merecer uma bênçao especial do padre na nossa visita à catedral. Bueno, quem sabe, meio caminho andado.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Meditações de um notívago


No dia 18 de março deste ano, recebi esta carta-email do meu pai. Fazia menos de um mês que havíamos viajado.
Na íntegra, segue:

"Levantei-me no meio da noite. A lua batia no mar com sua brancura, inerte, contrastando com a mobilidade das ondas. O mar, insondável, a separar povos, nações... A lua, pairando sobre tudo, numa banda do mundo, vigilante. A brisa marinha, de fora para dentro do mar, o “terral”, causava-me fadiga. Pensei como vocês estariam, do outro lado do mar, prestes a acordar, devido ao fuso horário. Eu, ainda teria muitas horas para ver a luz do sol, me despedindo da lua. As palhas dos coqueiros não davam sinal de vida ondulante: viçosas, mas imóveis. Pelas janelas, sem para-peito, começava, sem vento, um “toque-toque”, que pensei ser do ar condicionado do apartamento superior, cuja água cai sobre o meu ar condicionado e faz aquele barulho. Na verdade, era, mas também, de uma chuva que começava a dar seus sinais. Nem um apito do guarda noturno, que guarnece a área. Senti a fragilidade dos seres: àquela hora, quem poderia estar pensando em mim? Um insone, talvez, assim como eu, estaria acordado. Pensei na necessidade da amizade que muitas vezes desprezamos e meditei: um inimigo, acordado a esta hora, poderia também pensar em mim. Como não o tenho, só poderia apelar para um amigo acordado. Porém, não seria justo desejar que um amigo fosse puxado na madrugada para voltar seu pensar para mim. Pensei, mais uma vez, em vocês: acordariam daqui a pouco e não seria injusto o desejo de puxá-los para meu mundo, acordariam naturalmente. Nesse acordar, poderiam voltar o pensamento pr´as coisas distantes, atravessando a amplidão do mar e pousar ali, naquele coqueiro, em frente ao apartamento. Depois, pensamento, como veio, voltou a se concentrar em outros e coisas diversas, mas já tinha invadido o meu universo. Dei de olho no canto da parede: a bicicleta de Iago, ainda não consertada. O tempo continua a girar e os encontros e desencontros serão sempre uma constante na natureza e, na natureza humana, a duração de cada vida. Liguei a televisão, embalado neste pensamento, voltei a dormir. Vocês acordaram e eu, dormindo; com vocês, só poderei sonhar. Acordei e reli o escrito. Não achei grande coisa, mas à mingua de algo melhor, envio-o. Com um piparote no teclado do computador, me despeço. Um abraço a todos. Amanhã em Abreu e Lima é feriado. Prejuízo pr´a mim, na certa. Mas, que tem a vida de feia? Ela é sempre bela!"

A estrangeira finaliza: Que saudade!! Segue a música que ele cantava para mim, na infância. Imitei-o e canto para meu filho Iago hoje, e é uma de suas preferidas (Prece ao Vento).
http://br.youtube.com/watch?v=FTWFvILrYzU

domingo, 18 de maio de 2008

Ser estrangeira é fazer churrrasco na chuva (lluvia)



Hoje, o marido decidiu fazer churrasco brasileiro. Bueno, muito menos estrangeiro que eu, iniciou a empreitada embalado ao som do inglês Rod Stewart e logo mudou para o pop-rock norueguês do a-ha – quem tem mais de 30 deve lembrar de ´Take on me´,´You are the one´ e outros que embalaram os anos 80. Pois bem, o sol estava ótimo. Nas ruas as pessoas davam os ares de sua graça de braços de fora nas terrazas dos bares e tudo o mais. Rod Stewart começou a tocar naquele solzão, muita animação, logo o pernil de cordeiro, lingüiças, picanha española saborosa (apesar de não ser argentina), e tudo corria às mil maravilhas... Foi só o a-há e “Celice” romperem o terraço de casa que, de repente, aquele famoso “toró”! Pense! A referência à Noruega foi fatal. A mudança de clima de forma repentina é famosa em Madri, uma mudança de 10 graus no mesmo dia é considerada absolutamente natural, por isso, muitas vezes saímos de casa com roupa de verão, mas já aprendemos que um casaquinho na mão ou amarrado na cintura é indispensável, afinal, segundo dizem no mundo de cá, “abril lluvias mil”. Mas como brasileiro não desiste nunca, logo improvisamos para darmos continuidade ao churrasco. O sol a essas alturas foi tocar em outra freguesia. Decidimos também algumas mudanças de percurso. De cerveja para uma boa cidra Andaluza, e por fim o vinho gallego Albariño, sem esquecer da providência imediata: calar a boca do pobre a-ha, atrás de algo más caliente. A estrangeira não tarda a colocar um bom forró de Elba. Como tudo é uma questão de perspectiva e nada é perfeito, churrasco na chuva também pode ser muito agradável. Porém, com a-há, never more.


Celice

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Quando a gente fica em frente ao mar, a gente se sente melhor




Além de um grande reencontro com pessoas, a Galícia foi também um reencontro com o MAR. Quem viveu toda uma vida vendo as ondas irem e virem e passou um tempo sem essa visão é possível que compreenda a importância desse reencontro. Um reencontro que transcende o banho de mar em si ou o banho de sol, sim, pois no mundo de cá felizmente também tem um belo céu e sol na maior parte do ano, mesmo no inverno – es increíble, um frio de lascar (para nosotros) e um solzão. Bueno, voltando ao tema, a sensação é muito mais do que muitos possam imaginar. Não interessava tomar um banho de mar, muito menos no gelo que a água estava, nem esperava me reencontrar com a cerveja estupidamente gelada servida na beira da praia, ou com o caldinho de feijão, ou mesmo com nossa música a tocar nas semi-carroças que vendem cds piratas, descaradamente (embora, Ivete Sangalo surpreendemente estava a tocar num bar das proximidades). Mas a linha do horizonte, sem o mar, facilmente encontra um limite, algo que se interpõe à nossa frente, ora um prédio, ora uma árvore (desgraciadamente, cada vez mais rara de se encontrar), ora as nuances de uma estrada que não tarda a ensinuar outras construções. Enfim, sem o mar, a finitude está ali, a nos lembrar das nossas limitações. Diante dele, os nossos problemas são pequenitos, aconteça o que acontecer, as ondas seguirão seu curso. Não tive dúvidas, tirei os sapatos e num frio de uns 14 graus pus meus pés na areia a esperar. De repente, gelo e sal! e contraditoriamente a grande sensação de liberdade. E os pensamentos se transportaram a outros mares, num mundo sem fronteiras, quisera eu ser uma maratonista neste momento. Já viajei. É; os pensamentos se perdem mesmo naquela imensidão. Ou se acham.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

A história de uma viagem





A ansiedade já era visível no semblante de todos. Por mais que o disfarce fizesse parte da história dessa família, que para todas as perguntas já tinha resposta pronta do tipo no pasa nada, os fatos não negavam a grande e profunda espera, uma espera de 30 anos para uns, e de toda uma vida para outros, uma espera que nunca podia se saber se em vão, se “Deus proverá” ou proveria, ora, mas... “ele sempre provê!” - também uma das frases mais disputadas entre as bocas resignadas, cujos destinos quisera Deus - ou a vida – pôr à prova, ora da solidão, da revolta, da saudade, da doença, das dificuldades, da precocidade, da injustiça. Fazer o quê???? Ah, mas não se poderia dizer que fosse vítima. Isso não. Tudo realmente tinha um sentido, ou tinha que ter!, um plano maior, onde o fim do túnel seria o da glória, fortaleza ou redenção, e, “por nos deixar respirar, por nos deixar existir... Deus lhe pague!” Em meio aos acontecimentos, o tentar seguir vivendo, mesmo sem querer, como se algo os aguardasse mais à frente.

Ah! A viagem! Era por ela, talvez, que tivessem esperado tanto, ou também por ela que tivessem continuado até entao, pra no futuro, já presente, pudesse existir como um grande revival dos “tempos que não voltam mais”!

E chegara o grande dia. Partiram como sempre quiseram partir, despretensiosamente, após anos dos fatos mais melancólicos, num momento que representava vida nova para alguns e espera de outro porvir não necessariamente tão novo para outros, mas com certeza, um momento de esperança. Haviam passado recentemente por mais uma provação e vencido. Nada mais poderia ameaçá-los. Estavam preparados até os dentes para os fatos mais inusitados. Uns de forma mais ativa, já outros, coadjuvantes da sua própria história, a esperar pelo desenrolar dos fatos, pela chegada de emails ou um simples tocar de celular.

E como Deus sempre presente está, não seria dessa vez que ficaria de fora. Logo agora, que tanto precisavam dele. E aí, numa cronologia descendente, Conceição se prostrou em frente, Santiago mostrou seu caminho, Nossa Sra. De Canaã preparou o terreno ainda em Pozuelo, Expedito pediu licença e São José deu a bênçao. Igrejas mil a cada esquina, e em cada uma delas, um pit stop para água benta, reflexão, oração, pedido, ou um simples dedinho de prosa. Até Nossa Sra. de Schoenstatt, que não é afeita a maiores exuberâncias, escondidinha lá no canto, deu a graça de se mostrar e, meio sem querer, abriu suas pequenitas portas. E assim, pelo caminho, repetiam todos, os de lá e os de cá: “viemos em paz!” ou, plageando o dono da festa: “que a paz esteja com vosotros”.

E assim seguiram. O simples percurso de ida já dizia mais do que toda uma vida. Os sobrenomes replicados nas placas de trânsito que orientavam o caminho, como que propositalmente instaladas para sinalizar o grande evento, ou simplesmente para dizer: “Também sois filhos desta terra.” Outeiros espalhados a mil, representando o sobrenome Otero: Rochedo, Pedregoso. Placas de sinalização de lojas Vasquez, sobrenome de um avô, Vieitez no cartão de visita do dono do bar, Demetra nominando a compota e uma prima, outra prima Mári moradora de Ourense, cidade natal do pai, do avô e de tantos outros, Santiago nas placas e na face dos peregrinos, até os que nada tinham muito a ver com o íntimo reencontro, deram o ar de sua graça como Cabral e Santa Cristina, olha só! Estavam em casa mesmo! Isso sem falar na mistura gallega do espanhol com português, nas referências brasileiras até na praia, que apesar da água gelada, lembrava a conexão Brasil – Galícia/Espanha. De lá tentamos ver o tão famoso coqueiro das noites insones de um notívago de Boa Viagem. Em vão.

E finalmente as portas do desconhecido se abriram, estavam todos em casa. O reencontro comovente no bar, o presente em moeda ao bisneto, o bolo de noiva tão cuidadosamente elaborado com os ingredientes do lugar em retribuição à acolhida e lembrança dos velhos tempos, a volta às origens, ao princípio de quase tudo... O Pueblo formado por primos, primos dos primos, tios do pais e avós, netos, bisnetos, os de segundo e terceiro graus mais presentes do que os de primeiro, afinal... tempo tempo tempo tempo...!!! Impressionaram-se como alguns coadjuvantes de 30 anos atrás estavam presentes na lembrança de todos (coadjuvantes do conto, porém, também protagonistas da história), – “y donde está o Kiko que fazia isso ou aquilo???? E a Mary, enamorada do Luís quando pichota....????” E assim, parecia que foi ontem!

E aí, o reencontro seguiu o script dos contos infantis, viabilizado por um anjo de tia, ou por uma tia-anjo, que odeia que suas asinhas fiquem à mostra – prefere ser reconhecida mais pelas suas diabruras (mesmo que seja de uma diabinha do bem). Até na enfermidade repentina de um dos protagonistas, tudo lembrava “a vida como ela é”, sempre um reflexo da nossa condição humana, frágil, passageira, porém, também divina.

E assim acaba o conto. O conto de uma espera. O conto do reencontro. O conto que não se conta, pois quando se deram conta, já era. E à mesma família resta continuar esperando, saudosamente, que outros reencontros aconteçam, e que os coadjuvantes de hoje se transformem em protagonistas de amanha. O conto de uma viagem que virou história, ou a história de um conto que é, como a nossa vida, uma viagem.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Fuera de casa

Acabei de ler um jornalista do El País citar uma frase de Juan Filloy que diz: "Cuando usted viaje, deje su vida en su casa, su pueblo, en su ciudad. Es un artefacto inútil". Cá pra nós, merece reflexao e comentários. Mañana tal vez. No mundo de cá, já passa da uma de la mañana. Como se diz em Espanhol quando se vai completar algo adelante: "A ver..."

O mundo de cá é Metade...



É metade entusiasmar-se, é metade relutar. É metade querer ficar, é metade querer partir. É metade explorar, é metade sentir. É meio bossa nova, mas mais ainda é flamenco. É metade descabelar, é metade resistir. É agonia e é alegria.
Mais do que tudo, o Mundo de Cá é recomeço.
E recomeçando, lembrei-me do meu ídolo de adolescência (quando eu apenas começava), e da sua “Metade”, tantas vezes atribuída a Vinicius.

http://br.youtube.com/watch?v=ujQoUEdXr_8

O mundo de cá

Contrariando Caetano, “e eu, ´tão´ estrangeira no lugar quanto no momento, sigo mais sozinha caminhando contra o vento".



O Mundo de cá... ah! O mundo de cá não é!, mas pode vir a ser. É promessa! O mundo de cá também já foi. Já foi dono do mundo, já descobriu a América, já foi protagonista de tantas conquistas! O mundo de cá é Comunidade Européia, é “cámbio”, é latinidade, é prosa e poesia, mas, mais do que tudo, é saudade! O mundo de cá é desconhecido, é novo, é incômodo, é difícil, é complexo. É...! mas também é simples, mais simples do que o de lá. Depende, talvez..., é sim, é não, é... quem sabe?! É ambíguo, tanto quanto. É sereno. É tormenta, é seco... O mundo de cá é estrangeiro e estranho, e eu, mais estranha do que ele, nele.
O mundo de cá é mistério.

http://br.youtube.com/watch?v=DEtOyK75-Ks